(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 27 de abril de 2025)
Digamos que um assaltante à mão armada, um traficante de drogas ou um assassino serial esteja internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Star de Brasília com problemas gastrointestinais pesados, depois de passar por uma cirurgia com 12 horas de duração — a sétima que já teve de fazer desde que recebeu uma facada no estômago, sete anos atrás, que o levou à beira da morte. O ministro Alexandre de Moraes, então, manda um oficial de Justiça entrar no seu quarto e lhe entregar uma intimação para que ele apresente, em cinco dias, a defesa prevista para a fase da ação penal a que responde.
Qual seria, honestamente, a reação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, das classes culturais ou do ministro da Justiça, sempre tão sensível quando se trata de defender os direitos dos criminosos? É certo, na hipótese acima, que Alexandre de Moraes teria violado esses direitos por desrespeitar o que está escrito no artigo 244 do Código de Processo Penal — a autoridade judicial está proibida de intimar um doente em estado grave.
Teriam de dizer, logo de cara, que a intimação apresentada no quarto da UTI foi flagrantemente ilegal. Poderiam dizer também que é um ato de crueldade grosseira, mesquinha e inútil.
Mas quem está na UTI do Hospital Star de Brasília não é um assaltante, um traficante ou um assassino — é o ex-presidente Jair Bolsonaro, e aí muda tudo. No Brasil de hoje, diante do aplauso emocionado da esquerda e das mentes civilizadas, Bolsonaro e quem mais for descrito como sendo de “extrema direita” não têm direito à proteção de nenhuma lei. Se tiverem, vão usar seus direitos para destruir a democracia — e o STF obviamente não pode aceitar isso. Democracia acima de todos. STF acima de tudo.

Bolsonaro, apesar do Código de Processo Penal inteiro, teve de assinar em seu quarto a intimação do ministro Moraes porque, na justiça do STF, o que vale é a força armada, e não o que está escrito na lei. Esse tipo de decisão tem a tendência de se fazer acompanhar por explicações particularmente boçais. No caso, Moraes alegou que o ex-presidente tinha gravado uma live no seu quarto — portanto, no seu elevado entender, estava em condições de ser citado pelo oficial de Justiça.
Temos aí mais uma etapa no processo geral de depravação que vive hoje o STF: passaram, agora, a atribuir a si próprios conhecimentos científicos que simplesmente não têm. De onde o ministro Moraes tirou a ideia de que ele também pode, além de tudo que já pode, tomar decisões na condição de médico? Onde está o laudo atestando a situação clínica de Bolsonaro? É assim que funciona o “Estado de Direito” do Supremo. Vai ser daí para baixo.
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